TEMPOS... TEMPOS...
Ele percebeu, quando uma turma de meninos e meninas passou a seu lado e, olhando-o, começou a rir e cochichar, uns sorrisos debochados, uns cochichos tapados por mãos que não queriam deixar escapar palavras indiscretas.
Por que procederam assim, sem motivo aparente? - pois todos deviam ter a mesma idade dele; os meninos, vestidos como ele: calças curtas seguras por suspensórios, camisas de algodão, sapatos de couro duro, empoeirados, meias acinzentadas de punhos coloridos e frouxos por tanto uso; as meninas, em costumes brancos, rendados (pois era dia de festa), besteirinhas enfeitando os cabelos... Por que, então?
...Talvez fosse o pirulito de açúcar queimado, que tinha na mão; talvez fosse o pacotinho de gergelim torrado e moído, também na sua mão... Por quê?...
...Certamente os moleques não resistiriam aos desejos de parar diante das barraquinhas de bambu e chita para comprar, como ele, espelhinhos, ioiôs, bolas de arrebentar, estalos, buscapés... as garotas, bonequinhas, brinquinhos e cordões dourados com pedrinhas de vidro colorido... Por que, então, o deboche?
...Não iriam, eles, beber caldo de cana, olhar os barquinhos que rodeiam o chafariz multicor?...
O menino não entendeu; e sentiu-se ridicularizado. Talvez, enfim, fosse a sua própria timidez, ali, olhando o povo chegar, gente vinda de longe, descarregada pelos trens especiais...
(...)
...Saiu de onde estava parado e entrou na igrejinha, entristecido.
(...)
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Ele percebeu, quando uma turma de meninos e meninas passou a seu lado e começou a rir e cochichar.
...Por quê?
Talvez fosse por estar sozinho, mascando palavras, gesticulando...
...Sozinho... como alguém avariado das ideias...
Sozinho, onde, outrora, barraquinhas de bambu e chita, enfileiradas, faziam crianças alegres...
... - e agora, no mesmo espaço, umas coberturas brancas como roupagens da Ku Klux Klan; no lugar de coreto, palanque com enormes aparelhagens de som!...
...Mas o espaço, neste dia de festa da Padroeira, vazio de povo...
... - pois já não existem trens especiais.
(...)
Sentindo-se ridicularizado, saiu de onde estava e entrou na igreja nova, entristecido.
Lá, no altar de cimento, a mesma imagem de Nossa Senhora, tendo em Seus braços o Filho.
...A mesma imagem de Mãe entristecida, que outrora repousara em altar de cedro...
...Mas estava lá Maria, com Seu Filho, resistindo.
- Tempos, meu filho! Tempos!... -- disse Ela ao ancião que foi orar.
(...)
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Setenta anos decorridos, entre este e o 15 de agosto de 1943. Setenta anos...
...Os meninos e meninas que passaram ao lado do homem, todos com camisetas coloridas, tênis de marca; meninos de bermudas, meninas de shortinhos... A turma de meninos e meninas, levando nas mãos (não pirulitos ou saquinhos de gergelim, mas) smartphones e MP3, tinha mesmo, motivo para rir e cochichar, debochando das lembranças que ele deixava escapar com seus murmúrios e gestos.
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Ago., 15, 2013